Um dos peludos

Um dos peludos
Faraó

domingo, 7 de março de 2010

Era uma vez... um cérebro vagante

Hoje, enquanto caminhava pelas sinapses neuronais, encontrei um fato já relatado inúmeras vezes e que conto estreando neste mundo que acreditava nunca participar. Lá nos idos 70 estava eu como chefe da sala de necrópsias do HC-UFPR e no final de semana não recebi chamado para orientar residentes em autópsias (era comum nos chamarem nos finais de semana). Na segunda-feira cedo perguntei ao auxiliar de necrópsias se tinha ocorrido algum problema ao que ele protamente disse: Não senhor. Só veio uma mulher devolver o cérebro mas como eu não sabia de nada, não aceitei. O quê ? Como assim? Devolver um cérebro? É dotô, veio uma mulher de bicicleta com um pote no bagageiro querendo devolver o cérebro da mãe dela. Eu não recebi. Eu f'iquei passado, atordoado, sei lá . Tudo girava ao meu redor. Conversando com ele consegui entender em parte o ocorrido. Uma senhora idosa falecera alguns dias antes. Por orientação clínica fora solicitada a autópsia e, dado a avançada hora do óbito, o cadáver ficou na sala de autópsias para ser examinado no dia seguinte. O plantonista da noite do óbito permitiu (na santa inocência) que a filha permanecesse em velório solitário ao lado da falecida. No dia seguinte a morta foi autopsiada e o cadáver foi entregue à familia, enquanto as vísceras ficaram para exames, como é de praxe nos hospitais ligados a escolas médica. Procurando continuar a esclarecer os fatos da tentativa de devolução do cérebro, descobri o nome e o endereço da filha e fui à casa. Me identifiquei na chegada, fiz perguntas, respondi algumas e então entendi tuodo o ocorrido. A familia era espiritualista. A filha retornara ao hospital alguns dias depois do óbito para "buscar" as vísceras que deveriam ser inumadas para só então o espírito da mãe poder se libertar da encarnação concluida. Perguntei sobre o tal cérebro, como conseguira, onde estava, expliquei os aspectos médico-legais do transporte e guarda de vísceras humanas , enfim alguns minutos se passaram.  Ela, a filha é claro, abriu a geladeira da casa e para minha surpresa, não fora a berta para me oferecer um copo d'água, mas sim para retirar um pote plástico com um encéfalo imerso em formol. E o pior, nem era o da mãe dela . Conclusão e confusão - a filha não ficou sentadinha ao lado da morta durante a noite e andou pela sala onde viu potes com cérebros que ainda não tinham sido estudados (necessitam de formolização mais longa); então o auxiliar de autópsias da noite do óbito, alguns dias depois, em concordância com a espiritualidade e com medo de possíveis encontros com a extinta,  entregou à filha um cérebro para ser enterrado. Chegando em casa ela viu no rótulo do pote que não eram os miolos da finada mãe. Demorou alguns dias enquanto buscava um meio para devolvê-lo. Sua tentativa foi frustrada pelo outro auxiliar. Ficou apavorada quando não o pode fazer. Final da história: Levei o encéfalo para o HC e, dois dias após devolvemos as vísceras já examinadas, incluindo o cérebro correto é claro , para que fossem enterrados e assim o espírito fosse enfim liberto. Eu é que não ia querer alguém a me puxar os pés em busca do que lhe é de direito. Eu heim, muito menos morta .

7 comentários:

  1. Acho que tenho mais medo dos vivos mesmo. Acho não. Tenho certeza.
    Gostei muito do causo.
    Lembrou-me a cena do Jovem Frankenstein, do Mel Brooks em que o auxiliar Igor vai ao laboratório, pegar o suposto cérebro de um professor genial e traz o de um "ab something".

    Bem vindo ao mundo dos blogs.
    Você está entrando num universo cheio de surpresas. E posso garantir que vai encontrar muitos e variados cérebros por aqui.

    Vim conhecer sua casa indicada pela Regina (provável ex-aluna sua.)
    Vou adicioná-lo a minha lista de blogs.

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  2. PS. Adorei a sua foto imagem.
    E seu bichano é lindo.

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  3. Só tu,mesmo, seu...PATOLOGISTA!
    BJ

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  4. Regina e Silvestre. Obrigado pelos comentários. Vou até onde vou, pegando no tranco. A foto-imagem é uma forma de Yin-yang com dois dos meus amados.

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  5. Oi doutor, adorei o causo, mas pelo horário q o senhor postou não seria um pesadelo q teve durante à noite? hehehh Brincadeirinha à parte continue nos deliciando com eles....

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  6. olá Doutor.
    Pois é, nesses 30 anos ou mais de HC, tem mesmo é muitos contos pela frente para contar.
    Que sejam rememorados. Não esqueça os do IML de Jaraguá do Sul.
    Beijão e fica com Deus.

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  7. Adorei o causo do cérebro. Como fiz residência no HC-UFPr também passei alguns sustos, sempre à noite, nos escuros corredores da Patologia huuuuuu ....... ainda não sei se eram reais ou fantasmas....

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